Recentemente, o chileno Miguel Altieri e a colombiana Clara Nicholls, professores e pesquisadores da Universidade da Califórnia e integrantes do Centro Latino-americano de Investigações Agroecológicas — CELIA, publicaram o artigo “A Agroecologia nos tempos do COVID-19” . No dia 23 de abril, Miguel e Clara realizaram um seminário via internet debatendo o mesmo tema, com a presença de outros especialistas na questão da agroecologia, como Peter Rosset. O vídeo completo do seminário pode ser visto pelo Facebook, clicando aqui.
Como parte das atividades remotas promovidas pela Educação do Campo da Unipampa, está agendado para essa sexta-feira, 24 de abril, um estudo e debate a respeito desse texto, tendo como intuito complementar e refletirmos sobre a formação de educadoras e educadores do campo na perspectiva da agroecologia. Segue abaixo a divulgação do encontro, forma de participar (via plataforma google meet) e uma sistematização da leitura do texto.
24 de abril — Sexta-feira às 15:30
Estudo e Reflexão: Agroecologia em tempos de COVID-19
Acesso pelo link meet.google.com/zvb-smvp-waq.
Texto para estudo: Agroecologia em tempos de COVID-19, ou em formato PDF.
Com Coletivo de Estudo EdoC e Agroecologia: Em julho de 2019, durante o Tempo Universidade de Inverno, um grupo de estudantes organizou encontros para estudar a base teórica da Educação do Campo com o intuito de aprofundar o papel da Agroecologia na formação de educadoras e educadores do campo. Agora, com as atividades suspensas, esse grupo propõem para a comunidade o estudo do texto de Altieri e Nicholls, para refletirmos a relação entre a pandemia do coronavírus, as propostas da Agroecologia e as implicações para a formação e atuação de educadores do campo.
Reflexão a partir da leitura do texto
A agroecologia tem como objeto de análise as formas de se lidar com as paisagens agrícolas, tendo como referência primordial práticas de conhecimento ancestrais, que nos faz pensar na trajetória da humanidade dos últimos dez mil anos. Enquanto área do conhecimento acadêmico-científico que estuda os sistemas agroalimentares, ela está presente nas universidades desde a década de 1970, incorporada pela atuação de técnicos e pesquisadores que compreenderam os impactos socioambientais devastadores causados pela industrialização das atividades agropecuárias.
O avanço do modo industrial de se apropriar da natureza — aliado à organização capitalista da sociedade, são os fatores que geram e interconectam os problemas globais que conhecemos, tais como a escassez de energia e água, insegurança alimentar, degradação ambiental, mudanças climáticas e desigualdade econômica.
Lembremos que o surgimento e desenvolvimento do capitalismo e seu modo industrial de lida com os ambientes já completa algo em torno de 250 anos, se considerarmos o ano de 1760 — a Revolução Industrial — como um marco dessa forma de organizar as pessoas na sociedade. Os problemas globais, portanto, são o resultado de 250 anos de implementação dessa forma de utilizar os ecossistemas, de conceber trabalho e vida, de produzir mercadorias, etc.
Essa “idade” do capitalismo e os problemas que se interconectam, nos faz pensar que a Pandemia do Coronavírus evidencia que o capitalismo é um sistema mundial e está vinculado com a saúde humana, com a saúde dos outros animais e da própria ecologia em si. Se aceitamos essa vinculação, então devemos valorizar as ações sociais coletivas que questionem a lógica capitalista de organizar as sociedades, questionem o consumismo descontrolado e questionem a forma capitalista de lidar com a natureza.
Podemos pensar então, o que significa dizer que o capitalismo é um sistema mundial? O que caracteriza a lógica capitalista? O que capitalismo tem a ver com industrialização? o que caracteriza uma indústria? que traços são característicos da organização social com base no capitalismo? Que relações essa organização estabelece com o trabalho e sua finalidade, com a propriedade privada (terra, máquinas, serviços, tecnologias) e com as desigualdades sociais? O que isso tudo tem a ver com saúde e natureza?
O que são ações sociais coletivas? como elas ocorrem, quem são seus protagonistas e quais suas principais características?
Em nossas regiões, comunidades e bairros, como estão organizadas as pessoas para o trabalho? que finalidade esse trabalho tem? quem detêm a propriedade sobre as coisas? qual é o grau de desigualdade social na minha cidade? Qual é a qualidade de vida e saúde da minha comunidade?
Quais são as ações sociais coletivas que existem em minha região e na minha comunidade? Quem está a frente delas? Quais são as áreas de atuação delas?
O questionamento do desenvolvimento capitalista surge como uma resposta se aceitamos que as causas para esses problemas globais estão interconectadas e são profundas. A pandemia nos ajuda a aceitar essa resposta pois fica cada vez mais claro a fragilidade a a vulnerabilidade da organização social e ecológica do mundo.
A agroecologia, segundo Altieri e Nicholls, pode ser parte dessa resposta pois dizem que ela apresenta, igualmente, uma abordagem sistêmica para resolver os problemas sociais e ecológicos que estamos vivenciando. A agroecologia, através dessa abordagem, ajuda a explorar e conhecer os vínculos entre agricultura, saúde, trabalho, economia, educação, etc.
Hoje, dos 1,5 bilhões de hectares utilizados pela agropecuária no mundo, 80% estão ocupados com monoculturas, pois a monocultura se encaixa bem em um modelo tipo “industrial”, que padroniza, o quanto possível, a lavoura e criações, as máquinas, as sementes, as raças, os fertilizantes, os defensivos, o trabalho empregado, etc.
Acontece que essa padronização tem custado muito caro para a saúde ecológica: as monoculturas resultam em uma baixa diversidade ecológica e em uma padronização (homogeneidade) genética. A alta diversidade de plantas, animais, fungos, bactérias, protozoários e vírus em uma área, um ecossistema, é geradora de “saúde”, uma vez que são as interações entre os seres vivos que sustentam o chamado equilíbrio ecológico.
O que é equilíbrio ecológico? o que ele proporciona? que relação existe entre equilíbrio ecológico e saúde humana? Que “serviços” ele proporciona?
Como as monoculturas reduzem drasticamente a quantidade de seres vivos em uma área, em um ecossistema agrícola — um agroecossistema — toda a teia de interações é perdida ou severamente comprometida. Isso traz grandes vulnerabilidades para a atividade agrícola, que se manifesta no aumento da população de algumas plantas, insetos, fungos e vírus que passam a ser chamados de “daninhas”, “pragas” e se transformam em epidemias e pandemias, como ocorreu com a gripe suína, gripe aviária e, agora, com a COVID-19. No fundo, a monocultura desconsidera a teia de interações entre os seres vivos e altera a disponibilidade de alimentos, de habitats, de água na área ocupada.
Ou seja a monocultura, ao alterar o habitat onde havia uma grande comunidade de organismos, favorece e potencializa o nicho ecológico de poucos organismos daquela comunidade: temos então um desequilíbrio ecológico que exige muita intervenção humana para contornar os problemas que esse desequilíbrio gerou. Plantas daninhas, insetos pragas e doenças são agora controladas não pelas interações ecológicas, mas pelo uso exagerado de herbicidas, inseticidas, fungicidas, entre outros venenos típicos da agricultura industrial.
De fato, 2,3 bilhões de kg de agrotóxicos por ano são utilizados nessa agricultura industrializada, e menos de 1% dessa quantidade alcança seus alvos. Ou seja, 99% do veneno que é aplicado deriva para a natureza, atinge outras plantas, outros insetos, atinge o solo, os mananciais de água, vilas, casas e pessoas, etc.
Quais são os problemas conhecidos dessa quantidade de veneno no ambiente?
Qual é o histórico de denúncias que existem sobre o perigo e os impactos dessas tecnologias criadas para contornar os desequilíbrios ecológicos causados pela agricultura industrial? Quem são as pessoas e entidades que realizam estas denúncias?
Boa parte dos tóxicos utilizados na atividade agropecuária impactam a dinâmica do solo, das águas, do ar, gerando danos ambientais e na saúde pública, tais como o envenenamento de 26 milhões de pessoas, quantidade acima do aceitável de resíduos em alimentos com efeitos tóxicos agudos e crônicos, diminuição na polinização de cultivares, diminuição de inimigos naturais das chamadas “praga” e “daninhas”, e diminuição na população de outros insetos ligados a serviços ecossistêmicos.
A perda da biodiversidade causa prejuízos de centenas de bilhões de dólares, considerando as perdas na produção agropecuária e os gastos no sistema de saúde. A criação de gado, aves e suínos no modelo industrial baseia-se no confinamento de grande quantidade de animais em um espaço relativamente pequeno. A criação destes animais nessas condições implica em vulnerabilidades que resultam nas gripes mundialmente conhecidas, como a suína (influenza) e a aviária.
A grande concentração de animais amplia a chance de contágios e a propagação de vírus patogênicos. Quanto mais hospedeiros ao alcance do vírus, mais oportunidades o ele tem de realizar mutações que permitam melhor adaptação ao meio, permitam se reproduzir mais e melhor, permitam mais contágio e mais propagação. É dessa forma que a biologia explica a capacidade do vírus “saltar” de uma espécie para outra. A concentração de organismos permite então que um patógeno se diversifique, se altere, se transforme, até que, ocasionalmente, uma dessas transformações resulte em possibilidade de contaminar o ser humano. Junte a isso algumas características como forma de contágio e grau de letalidade, e temos uma epidemia de escala planetária.
Que conhecimentos são necessários para a compreendermos o que se passa na atualidade? Como os conhecimentos são produzidos e como é possível ter acesso a eles?
A aglomeração de animais confinados também apresenta outros problemas. Como os patógenos proliferam mais facilmente nestes ambientes, é de se esperar que a criação fique doente mais frequentemente. A solução do modo industrial de lidar com esse problema é igualmente geradora de muitos outros problemas: a aplicação massiva e indiscriminada de antibióticos. Pela experiência das últimas décadas, sabemos que esse tipo de aplicação indiscriminada promove a seleção de estirpes de bactérias, por exemplo, super resistentes. A ponto de nenhum medicamento ser eficaz no combate às doenças que elas causam. Esse cenário, igualmente, pode se transformar em situações de epidemia tão graves como as que vivemos agora, com um vírus.
É importante pensarmos que a criação e expansão da lógica industrial nos últimos 250 anos só foram possíveis pelos benefícios e riquezas acumuladas pela dominação colonial ocorrida em regiões que vieram a ser chamadas América Latina e África. A dominação nestes territórios, pela violência da colonização, facilitou que o modo industrial se expandisse pelos territórios dominados.
1 comentário
Coletivo de Estudos Educação do Campo e Agroecologia – Educação do Campo & Agroecologia · 5 de maio de 2020 às 10:34
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