O capítulo 3 da publicação “Revolução Agroecológica: O Movimento de Camponês a Camponês da ANAP em Cuba”, aborda como essa metodologia “Camponês a Camponês” (CAC) chegou a Cuba, assim como descreve algumas características dessa abordagem a partir de alguns princípios e atividades.

O livro, de 2011, é o resultado de um esforço multi-institucional com o propósito de divulgar a experiência cubana com uma abordagem metodológica que é utilizada na América Central, em países como Nicarágua, Guatemala, Honduras, para a mudança da base produtiva a partir dos princípios da Agreocologia. Um ponto fundamental de análise dos autores, é que a Agroecologia, quando dependente dos técnicos de ATER, fica limitada e restrita às condições oferecidas pelas instituições, fazendo com que a disponibilidade de técnicos com essa formação passe por critérios orçamentários.

Nitidamente percebemos que a Agroecologia, ainda que apresente propostas interessantes, carece de uma abordagem metodológica que viabilize sua disseminação e adoção pelas famílias camponesas. Particularmente, concordo com os autores nesse ponto, mas vou além: creio que a Agroecologia carece de propostas metodológicas que sejam coerentes, inclusive, com seus próprios princípios teóricos, ou seja, seus corolários poucas vezes são respeitados no momento de se pensar práticas comunicativas e processos pedagógicos. Uma inicial conclusão é que a metodologia CAC não só oferece soluções para as carências institucionais quanto ao número de técnicos, mas, principalmente, expressa uma forma “agroecologicamente” coerente de atuação no campo.

Isso porque, como bem frisa o livro em diversos momentos, o CAC se apoia no fato de que a relação de confiança de um camponês para outro é diferente na relação com os técnicos. A abordagem metodológica do CAC, podemos afirmar, reconhece que a transmissão de conhecimento entre camponeses/as carrega virtudes que os órgãos de ATER desconhecem, ou não querem reconhecer. Essa afirmação está respaldada no fato de que, tanto no caso da Nicarágua quanto no caso de Cuba — onde o CAC foi trabalhado a partir de organizações campesinas em nível nacional —, o número de famílias envolvidas aumentou rapidamente, caracterizando esse fenômeno como um “movimento”, o Movimento Agroecológico de Camponês a Camponês (MACAC).

O CAC se mostrou um método dinamizador, que vai mais longe em menos tempo, mais vinculado a um processo social do que a uma determinada tecnologia. Os autores ressaltam que diversos financiamentos foram obtidos, de organizações internacionais, para se iniciar o processo de formação das equipes e dos facilitadores do método. Três etapas foram concebidas, envolvendo uma problematização a partir dos diagnósticos participativos; uma experimentação das práticas aprendidas, de forma a contextualizadas nas realidades locais, e, por fim, a promoção e multiplicação das práticas, finalidade central do do CAC.

Esse caminho inicial configurou a metodologia de CAC como uma forma de alcançar melhores índices de sustentabilidade através de melhorias no sistema produtivo. Porém, um diferencial marcante dessa proposta é que ela assume o empoderamento dos atores como elemento intrínseco ao desenvolvimento sustentável. Creio que esse princípio político nos ajuda a não cair no senso comum do termo “sustentabilidade”; assumir o empoderamento dos camponeses é justamente compreender que definir o conceito de sustentabilidade já é parte do problema a ser resolvido, e conseguir defini-lo é extremamente significativo para alcançá-la (RÖLING, 2000).

O MACAC, ao envolver também técnicos, pesquisadores e dirigentes em condições de igual participação com os camponeses, se aproxima, novamente, do conceito de sustentabilidade que RÖLING et al. (2000) apresenta, significando-o socialmente: sustentabilidade é uma propriedade emergente das relações sociais, é o resultado de decisões e práticas que surgem da interação entre diferentes sujeitos sociais.

A leitura do capítulo deixa claro esse significado social da sustentabilidade construída entre os diversos atores envolvidos. Um fator atrelado a esse conceito de sustentabilidade é a assunção do vínculo entre os métodos de difusão do conhecimento e as tecnologias de um dado modelo de agricultura. Ao assumir esse vínculo, o MACAC passa a questionar os métodos lineares e verticais de difusão do conhecimento, assumindo a necessidade de investir tempo e esforço em práticas participativas e horizontais, alinhadas às dimensões onde o trabalho camponês se insere. Assume também a proposta freiriana, de que a fonte do conhecimento se dá no confronto com o mundo.

Tais princípios apontaram, no caso do método CAC, para a realização de jornadas de intercâmbios, encontros e visitas. Esse caminho teórico-metodológico tem como consequência, prevista pelos preceitos da Agroecologia, a necessidade de transformação de técnicas e de desenvolvimento de novos conceitos, ajustados às realidades encontradas em cada comunidade. Para se adequar a esta abordagem, o método CAC elaborou alguns princípios fundamentais, que orientam o trabalho conjunto, e que são sensíveis ao tempo e escala das experiências, permitindo um sentimento de êxito que entusiasma os participantes para o avanço na Agroecologia, ou seja, favorece o efeito multiplicador dos resultados e experimentos.

O capítulo se encerra com uma consideração final da primeira etapa do método CAC. Nessa consideração, é reforçada a ideia de que a Agroecologia não se limitar a uma concepção “substitucionista”, ou seja, não trata-se de um novo pacote tecnológico. Ao reconsiderar outras racionalidades para as ações na produção agroalimentar (assumir as condições, os processos e ciclos produtivos semelhantes aos da natureza), o MACAC desenvolve uma nova consciência camponesa. Uma característica interessante da diagramação do capítulo — presente no livro todo —, são as caixas de “testemunho”, onde os autores trazem cartas e relatos de camponeses/as sobre suas impressões no decorrer das atividades. São alguns elementos da editoração do livro que nos ajuda a ter contato com essa nova consciência dos camponeses e camponesas cubanas.

SOSA, B. M. et al. Revolução agroecológica: o movimento de camponês a camponês da ANAP em Cuba. São Paulo-SP: Expressão Popular, 2012.

RÖLING, N.; WAGEMAKERS, M. A. E. (EDS.). Facilitating sustainable agriculture: participatory learning and adaptive management in times of environmental uncertainty. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.


1 comentário

Soberania pedagógica e alimentação nos territórios – Educação do Campo & Agroecologia · 21 de abril de 2023 às 19:15

[…] Breves leituras: protagonismo camponês e extensão rural em Cuba […]

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