Por Maíra Taquiguthi Ribeiro

Há alguns anos, Paulo contou um causo seu. Ele, agricultor muito inteligente assentado no município de São Felixo do Araguaia em Mato Grosso, foi vender farinha de mandioca sua e de seus parceiros na cidade. Entrou num supermercado e o dono já lhe foi negando, ele já comprava farinha vinda de Goiânia – a uma distância de quase mil quilômetros – muito mais em conta. Paulo argumentou: Se o senhor comprar a farinha de Goiânia, talvez economize um pouco agora, mas nunca mais verá o dinheiro que o senhor gastou. Já se comprar da minha farinha, eu moro aqui no município e sempre que precisar, virei comprar no seu mercado e o dinheiro que o senhor estará pagando pela minha farinha, mesmo que um pouco mais, retornará mais cedo ou mais tarde para o senhor.

Com esse raciocínio simples, Paulo convenceu o dono do mercado a comprar a farinha dele aquele dia. Porém, essa é a realidade nua e crua da região do vale do Araguaia mato-grossense. Nesta porção do Brasil, que conta com poucas vias de acesso, a economia é voltada para a agropecuária, em especial para o gado de corte. Esta produção vai para as mesas de todo o Brasil e exterior. Gostaria de rastrear esse gado, mas não é uma produção intensiva, racional, profissional fácil de ser rastreada. Digamos bem a verdade, é uma produção quase que para justificar os grandes latifúndios e que garante crédito para grandes empresários e suas poupanças também, já que essas pastagens improdutivas aguardam pela valorização da área com a infraestrutura que o PAC a de trazer um dia para a região entrar na rota do agronegócio de alto capital.

Enquanto o boi branco engorda nas pastagens abertas, os supermercados são abastecidos com alimentos frescos e industrializados vindos do Ceasa de Goiânia. Parece piada, mas em todos os mais de vinte municípios do vale do Araguaia, uma vez por semana passa um caminhão abastecendo os supermercados locais com frutas e verduras que percorreram mais de mil quilômetros nas cidades mais distantes. Todos os moradores sabem qual é o “dia da fruta”, e fazem fila cedo nesses dias no mercado para comprar beterraba, banana, abobrinha, laranja. E ai de perder o “dia da fruta”, no dia seguinte as gôndolas do horti-fruti desses mercados ficam às moscas, talvez com algumas cebolas, tomates verdes e frutas amassadas de tanto viajar pelo interior do Brasil.

A produção familiar local segue o mesmo modelo dos latifúndios, mais parecem pequenas fazendinhas de gado cujo dono sonha um dia se tornar o fazendeiro vizinho. Mas o mercado lhes é implacável. Eles não tem o poder de barganha de, na época literalmente das vacas magras, segurarem as pontas e conseguir vender o gado quando o preço estiver melhor. Mesmo nas mãos dos intermediários, o gado lhes dá uma segurança de terem compradores, crédito e todo um sistema criado para o gado. Aqueles que se aventuram na produção de alimentos como frutas, legumes e verduras sofrem a falta de assistência técnica, de mercado e de logística.

O caso de Paulo, apesar da solução genial, não é isolado. Os agricultores não conseguem colocar seus produtos nos supermercados locais. Estes, além de pagarem valores baixos, exigem o fornecimento regular em quantidade e qualidade durante o ano todo, coisa que os agricultores da região não tem condições de oferecer. A agricultura familiar do vale do Araguaia não é especializada, capitalizada e profissionalizada para concorrer com as frutas do Ceasa. Então, essas famílias agricultoras buscam alternativas de comercialização através das feiras livres do produtor, ou se forem mais organizadas, através do mercado institucional, que se firma como grande alternativa para a agricultura familiar. Esse mercado institucional a que me refiro são as vendas ao poder público através de programas específicos. Destacam-se aí o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que estabelece que uma cota da merenda escolar seja adquirida da agricultura familiar local e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Conab, que estabelece uma cota anual de compra de alimentos do agricultor familiar para formação de estoques e distribuição em programas de assistência social apoiados pelo governo federal.

Com aquele raciocínio simples, Paulo convenceu o dono do mercado a comprar a farinha dele aquele dia. Raciocínio simples, lógico e transparente, que não só o dono do supermercado de São Felix do Araguaia não conseguia enxergar, como toda a nação brasileira. Basta observar o modelo de desenvolvimento – desenvolvimentista – adotado pelos governos brasileiros desde os tempos em que nem existia governo no Brasil: produzir um só produto, em larga escala e vender para fora num valor mais barato do que os concorrentes (internacionais), para então comprar tudo. Desde as plantations de cana-de-açucar que aprendemos nas aulas de história, até o agronegócio de soja, milho, algodão e (ainda?) cana-de-açucar e a mineração que são glorificados na balança do PIB dos dias atuais, a lógica é a mesma, e não é a do desenvolvimento local.


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