A iniciação à pesquisa no contexto de formação de educadoras/es do campo
Introdução
O trabalho de Conclusão de Curso é uma atividade fundamental na formação de educadores e educadoras do campo e é requisito necessário para a graduação em Educação do Campo – Licenciatura.
Segundo o Projeto Pedagógico de Curso – PPC da Lecampo da Unipampa, em sua página 57,
“As bases teóricas e metodológicas serão propiciadas por todos os componentes curriculares, especialmente, os componentes de Prática Pedagógica em Educação do Campo I, II, III, IV, V e VI; Metodologia da Pesquisa Científica e Trabalho de Conclusão de Curso I e II.
Desse modo, o TCC apresentará a significância do curso para o discente-autor, narrando, apresentando, argumentando e explicando os processos, produtos, investigações que, ao longo do curso, foram contribuindo para sua formação docente em Educação do Campo e Ciências da Natureza.”
PPC Educação do Campo – Unipampa
Dessa forma, o TCC deve refletir a base teórica e prática apreendida pelos estudantes ao longo dos semestres que precedem a elaboração do trabalho de pesquisa, o que ocorre durante o sétimo e o oitavo semestres conforme a matriz de componentes do curso .
Certamente o tema eleito pelo estudante e a investigação que dela decorre exigem novos esforços, assim como o contato com conceitos e teorias que não foram vistos anteriormente nos componentes curriculares. Esses novos estudos devem aparecer no projeto de TCC, principalmente, na revisão de literatura onde os conceitos gerais são apresentados ao leitor.
O que o trabalho de pesquisa exige, a partir do que estamos expondo aqui, é (1) compreender o curso de graduação como uma prática social que lida, basicamente, com o conhecimento e suas formas de criação e reprodução, desde a cultura acadêmico-científica. Exige também (2) compreender como esse conhecimento é transmitido, ou seja, qual meio ou meios são utilizados e quais suas características no estabelecimento da comunicação da pesquisa realizada. O meio de comunicação dominante nas universidades é a escrita impressa ou virtual, mas é comum que TCCs, dissertações e teses usem imagens como um recurso comunicativo.
A partir da identificação destes pontos (1) e (2) a atividade de aprendizagem em pesquisa pode ser iniciado. O propósito aqui, portanto, é iniciarmos algumas reflexões que apontem para um conjunto de exercícios — escritos — de modo a subsidiar ou até mesmo constituir partes do TCC.
Iniciaremos nossos exercícios buscando seguir o itinerário formativo do curso, passando pelos Eixos Temáticos como mostra a figura abaixo:
Conciliaremos a reflexão sobre a trajetória formativa — contato com teorias e prática na educação do campo, desenvolvimento rural, formação de identidade, ciências da natureza, antropologia, economia política, etc. — e a escrita das partes do projeto ou trabalho final de TCC.
Faça o exercício das atividades nos respectivos cadernos:
Atividade 01: Cultura, conhecimento e educação
O início do curso na Lecampo pode estimular no estudante sua capacidade educadora, compreendendo as implicações do ser e estar no mundo desde uma troca de conhecimentos que têm relação com uma dada matriz sociocultural, enfatizando o olhar sobre o que acontece no meio rural, na produção de alimentos, na dificuldade de acesso à terra ou à escola, etc.
Nós e nossas famílias estamos inseridas dentro de um “mundo cultural”. Todo conhecer humano pertence a um desses mundos e é sempre vivido numa tradição cultural, que envolve linguagens, saberes e práticas que manifestam certa estabilidade que é transmitida de geração em geração.
Exercícios
Retomando seus estudos do primeiro semestre (identidade e processos identitários), escreva alguns parágrafos sobre:
- Como você se identifica desde uma perspectiva cultural — onde nasceu, línguas que aprendeu, atividades religiosas, atividades de lazer, tipo de moradia, culinária tradicional da família, trabalho realizado por você, seus pais e avós, que meios de transporte utilizavam, se faziam viagens para outras cidades, etc.
- Onde e como os alimentos que sua família consumia eram produzidos? Quem os produzia? e hoje?
- Como estes conhecimentos sobre língua, religião, diversão, moradia, culinária e trabalho eram transmitidos de geração pra geração?
- Haviam escolas na comunidade onde nasceu? seus pais e avós estudaram nas escolas?
- O que você aprendia na escola tinha relação com seu mundo cultural (língua, religião, lazer, moradia, culinária, trabalho dos pais)?
Breve síntese dos Cadernos
As respostas de vocês trazem alguns elementos para nossa reflexão, tais como:
Vivência intensa com o campo, com as práticas de conhecimento necessárias para o trabalho produtivo e também o não produtivo, mais igualmente necessário — lembremos do importante conceito de trabalho socialmente necessário — TSN, da pedagogia russa;
Certas práticas de conhecimento, relacionadas ao mundo cultural descrito por vocês, permanecem no cotidiano, no modo de vida que vocês tem hoje. Compreender as razões destes comportamentos pode nos ajudar a pensar o espaço da escola e da educação;
Elementos de organização da reprodução de conhecimentos, tais como a escola multisseriada e suas características. A escola não era o único espaço de reprodução de conhecimentos úteis, ou seja, rodas de conversa, transmissão geracional entre avós, filhos e netos, ;
Interessante correlação entre TSN e valorização ou não da escola; em situações de vulnerabilidade econômica (outras?) é possível permitir aos filhos o acesso a escola? Se não, isso nos permite supor que a escola não oferecia subsídios ao TSN familiar ligado ao sustento da família? Como essas questões estão relacionadas ao fechamento de escolas no campo? Vemos também a ação de sujeitos coletivos e a luta por direitos, se contrapondo às políticas discriminatórias e conquistando direito ao acesso à educação, à escola;
Universidade, formação de educadoras/es e alinhamento ideológico com estes sujeitos coletivos. Instituições que apoiam a transformação do estado e das relações sociais discriminatórias. EdoC e valorização do TSN na escola: pesquisa, métodos, abordagens educativas, etc.;
Base alimentar com considerável grau de autonomia, o que pode nos indicar segurança alimentar, ou seja, produção de alimentos seguros, sem agrotóxicos e aditivos causadores de doenças (processados e ultra-processados). Pode nos indicar também soberania alimentar, conceito que envolve tanto a autonomia quanto a segurança no acesso a alimentos.
Certa divisão sexual do trabalho, em que as crianças desempenham atividades e passam a dominar conhecimentos distintos, apenas pelo fato de serem meninos ou meninas;
Parte do trabalho familiar subordinado a outras pessoas e, portanto, a seus interesses — estancieiros, patrões, empresas, etc.
Atividade 02: Contexto Biossocial
O segundo semestre do curso trabalha com o tema Contexto Socioeconômico, Sociopolítico e Socioeducacional. O que se pretende nessa etapa de formação de educadoras/es é fornecer condições para que possamos analisar as grandes mudanças sociais que impactam a comunidade e a região em que vivemos.
Se no primeiro semestre vimos que as práticas e conhecimentos de uma comunidade têm relação com um certo mundo cultural — que forma as identidades individuais e coletivas — no segundo semestre o objetivo é analisar aqueles fatores que geram mudanças nestas práticas, em especial aquelas relacionadas aos conhecimentos necessários na dinâmica produtiva e reprodutiva dos territórios. É aqui que os contextos estudados fazem sentido na caminhada formativa.
Essa análise passa por lembrar de acontecimentos importantes, de tramas sociais e cenários que se apresentam nas comunidades a partir dessa lógica capitalista e discriminatória e os atores sociais e sujeitos coletivos que configuram os diferentes projetos de sociedade na região de vocês.
Caso queiram aprofundar estudos a respeito do Eixo Temático 2 do curso, confira essa página: Contexto Biossocial.
Exercícios
Retomando seus estudos do segundo semestre (contexto sociopolítico, socioeconômico e socioeducacional), escreva alguns parágrafos sobre:
- Quais foram os acontecimentos de maior relevância que alteraram a forma como as pessoas da sua comunidade moram, se alimentam, trabalham e aprendem?
- Quais foram as principais mudanças que vocês perceberam na paisagem do lugar onde moram?
- Quais forças produtivas (tecnologias, instrumentos, máquinas, procedimentos, conhecimentos) foram responsáveis pela alteração nos ecossistemas de sua região?
- A comunidade de vocês participou das decisões sobre quais tecnologias deveriam ser empregadas no campo? Sobre finalidade da produção?
- Os resultados obtidos por essas mudanças beneficiaram a comunidade? Que grupos sociais foram mais beneficiados?
- Houve melhoria na vida da comunidade e da população da região de vocês? Houve diminuição da desigualdade e das discriminações históricas? Pense no acesso a saúde, qualidade de vida e bem estar.
- Quais são os grupos sociais mais fortes? Pense em grupos religiosos, sindicatos, associações, movimentos sociais, entidades, etc.
- Que projetos e demandas estes grupos defendem?
Atividade 03: Vida e território
Dessa vez nossa tarefa é refletir sobre nossa vida na campanha, ou em outras regiões, a partir do conceito de território. Esse conceito nos permite entrelaçar as diferentes forças que atuam sobre a vida das pessoas e das paisagens. Isso porque as atividades econômicas se estabelecem sobre a especificidade dos ecossistemas locais, como as lavouras, a criação de animais, a mineração, o turismo, etc.
Por isso o estudo das identidades — 1º semestre, e dos contextos — 2º semestre, são tão importantes no estudo da vida e do território: ele manifesta essa conjunção de fatores entre gente e ambiente, a partir de um processo histórico, de longa data, que forja as culturas locais e a relação das comunidades com seu chão, suas plantas, suas lidas campeiras.
Compreender o contexto é compreender as mudanças que o território sofre em cada época. E nas últimas décadas, com o avanço da globalização, percebemos que as alterações que testemunhamos em nossa região estão cada vez mais sintonizadas com o que acontece em outras regiões, mesmo que muito distantes. Cada vez mais as atividades econômicas entre países estão interligadas. A produção de soja em Sant’Ana do Livramento, por exemplo, pode até atravessar oceanos para atingir seu mercado consumidor. Muitas empresas participam dessa cadeia produtiva. Ou seja, o território de Livramento, seu ecossistema, os estabelecimentos rurais, a política local, tudo isso está interligado com essa cadeia produtiva e com essa economia que impacta do local ao global.