Partindo do objetivo geral do projeto que buscou avaliar o potencial pedagógico das práticas de conhecimento inovadoras em tecnologia socioecológica no estado do Rio Grande do Sul, desenvolvemos, segundo as atividades previstas, diversas ações de pesquisa participativas no interior do município de São Gabriel, no Assentamento da Reforma Agrária Madre Terra. Para nos auxiliar na pesquisa, criamos um Grupo de Estudos para desenvolver pesquisas participativas. Seguindo o cronograma de atividades indicado no projeto, iniciamos em julho de 2019 durante o Tempo Universidade (T.U) do curso de Educação do Campo na Unipampa Dom Pedrito, os encontros do grupo de estudos. Aproveitando o período de estudos intensivos do T.U propomos a criação de encontros convidando os estudantes e toda a comunidade acadêmica para participar do grupo de estudos com o objetivo de investigar e estudar materiais teóricos que tratam dos “conceitos chaves do projeto, materiais didáticos e documentos, buscando com eles criar uma análise mais ampla traçando um panorama sobre agroecologia, desenvolvimento rural sustentável e Educação do Campo. ” (Anexo I, p. 2) 

Estudamos documentos, livros, artigos e por meio de relatos dos estudantes e sujeitos do campo, sintetizamos a conjuntura e o histórico socioeconômico e cultural do campo. Observamos que, durante a construção histórica das relações de trabalho e de exploração da natureza, vivemos sistemas econômicos e culturais que criaram diversas tecnologias de manutenção e permanência da desigualdade social e das relações de opressão e exploração de um povo sobre o outro. É neste contexto que o campo vem sofrendo com os avanços da modernidade capitalista que impõem modelos que violam as especificidades culturais dos povos do campo, da floresta e das águas. A agroecologia foi um tema bastante debatido e estudado pelo grupo de estudo. Entendemos esse conceito como sendo, ação social de resistência ao modo industrial de apropriação da natureza e aos impérios alimentares, envolvendo o trabalho socialmente necessário em todo o metabolismo social (o que implica campo e cidade). E é nessa conjuntura que a Educação do Campo nasce e se constrói diariamente. Foi crucial para o desenvolvimento da pesquisa construirmos uma noção básica e conceitual sobre o que é Educação do campo.

Com o advento da modernização das áreas rurais e o desenvolvimento do agronegócio, houve uma reestruturação do campo que culminou na luta de seus povos por uma educação própria do campo para o campo. Observamos que a escolarização tanto serviu para o êxodo rural como possibilitou o estabelecimento de um processo de emancipação e autonomia cultural e econômica desses sujeitos. A criação da Educação do Campo trouxe uma nova perspectiva a eles, valorizando e fortalecendo seus conhecimentos tradicionais e populares. A Educação do Campo para nós tem o poder de instrumentalizar e propiciar com que as populações do campo, da floresta e das águas se apropriem dos conhecimentos científicos sem descaracterizar seus conhecimentos tradicionais. A luta por uma educação do campo e para o campo é garantir a sobrevivência e a permanência das populações e comunidades desses territórios.

Outro conceito chave para a pesquisa, é a noção de tecnologia social. Aproveitamos  o grupo de estudos criado em julho e articulamos uma integração com o grupo de pesquisa em tecnologia social da Universidade Federal de Santa Maria. Este projeto na sua elaboração já previa como uma das frentes de ação a interação com este grupo de pesquisa em tecnologia social. Dando sequência aos estudos, organizamos um seminário com o grupo da UFSM no dia 1 de agosto de 2019 na Unipampa, campus Dom Pedrito. A atividade teve como intenção aproximar os dois grupos de pesquisa na elaboração de uma metodologia participativa, voltada para as práticas socioecológicas e agroecológicas na região central do RS. Tendo como base os referenciais teóricos dos projetos, traçamos um mapa conceitual em torno dos objetivos previstos pelos grupos em suas pesquisas. Para o desenvolvimento da metodologia partimos do trabalho de Gelfius (1997). Para o autor a pesquisa com metodologia participativa tem um grande potencial de transformação das ações de pesquisa de maneira a abrir o verdadeiro diálogo entre pesquisadores e comunidades do campo. 

A elaboração da metodologia participativa teve como pressupostos teóricos, alguns princípios básicos que nos auxiliaram no mapeamento participativo de Tecnologia social e Agroecologia.  Entendemos como essenciais o aprendizado conjunto com a comunidade, enfocando conhecimentos, práticas e experiências locais. A realização de atividades coletivas, incentiva a interação e a cooperação, além da visão de grupo social.  Buscamos na criação da metodologia identificar dados quantitativos e qualitativos nos processos e técnicas agroecológicas praticadas pelos grupos.

Com base nessas sínteses dos estudos demos sequências as atividades do projeto. Seguindo os objetivos específicos do projeto, mapeamos na região, escolas do campo e suas comunidades nos territórios que correspondem às regionalizações do curso Lecampo Unipampa, enfocando conhecimentos praticados por essas comunidades em seus agroecossistemas e sistemas agroalimentares (i). Com isto, tivemos a oportunidade de acompanhar na região a realidade da Unidade Escolar Semente Libertária da Escola Estadual Ataliba das chagas. Como previsto pelas atividades do bolsista, mapeamos junto com a escola, grupos e famílias que desenvolvem trabalho agrícola, especialmente com a agricultura sustentável. Identificamos dois grupos, apoiadores da escola na comunidade. Acompanhamos os grupos familiares e coletivos da comunidade durante os períodos de manejo e plantio entre agosto até dezembro de 2019. 

Apoiando-se na concepção de metabolismo socioecológico como princípio de análise e pesquisa das relações humanas com os agroecossistemas, e se utilizando de forma experimental da metodologia de pesquisa que está sendo elaborada no desenvolvimento desse projeto, acompanhei dois grupos/famílias que trabalham com agricultura agroecológica mapeadas no Assentamento Madre Terra, zona rural de São Gabriel – localidade onde se encontra a Unidade escolar ancorada pelo projeto. O desenvolvimento dessa atividade teve como intenção identificar o metabolismo socioecológico, apontando eixos possíveis de análises a serem utilizadas pela pesquisa. Marquei previamente uma reunião com cada grupo a fim de apresentar a metodologia de pesquisa-ação, propondo elaborar de forma participativa um Desenho do Agroecossistema de cada grupo agroecológico. Este planejamento inicial foi um momento de aproximação com as dinâmicas e as especificidades dos grupos. 

Esta atividade teve como base, identificar os conhecimentos camponeses, a diversidade cultural e os modos de produção e relação com a natureza. Essa atividade trouxe para a pesquisa a perspectiva de desenvolver um método mais adequado ao acompanhamento do cotidiano dos grupos produtivos da comunidade, identificando as práticas camponesas e suas relações socioeconômicas, socioculturais e sociopolítica, trabalho camponês em seus planejamentos de lavouras de culturas de verão. Os desenhos dos agroecossistemas dos grupos foi a oportunidade de construir junto com os grupos uma análise das particularidades que caracterizam as práticas dos grupos de agricultores como tecnologias socioecológicas. Identificamos que no processo de desenvolvimento da metodologia participativa com os grupos de agricultoras e agricultores, o empoderamento da comunidade e dos indivíduos.  Segundo relato dos participantes, houve um maior entendimento da complexidade dos seus problemas vividos,  trazendo para os indivíduos algumas  reflexões críticas sobre a realidade e autonomia de decisão e planejamento futuro e  apropriação sobre as ferramentas utilizadas. 

As atividades de acompanhamento dos grupos agroecológicos mapeados, propiciou o avanço na elaboração da metodologia, iniciado no seminário em julho com o grupo de pesquisa em tecnologia social da UFSM. Partindo do conceito de metabolismo social (Tolledo) que entende toda atividade humana opera no interior do metabolismo universal da natureza. Em cada sociedade existe uma articulação específica entre apropriação dos ecossistemas, transformação dos produtos apropriados, circulação, consumo e descarte de seus resíduos, assim como em cada sociedade existe uma constituição particular das relações sociais que compõem cada uma dessas etapas, que tendem à reprodução e à continuidade ao longo do tempo. tecnologias socioecológicas. 

O ponto de partida é a criação do desenho do agroecossistema. Esse primeiro momento é a confecção de um mapa/diagrama da propriedade, estabelecendo um diálogo roteirizado para coleta informações. O objetivo é concretizar em um mapa a visão que o(a) agricultor(a) têm do uso do espaço em sua terra e localizar as informações relevantes (insumos, organização do trabalho, acesso recursos, etc.) 

O segundo momento é, a partir do mapa confeccionado, elaborar um modelo de funcionamento do agroecossistema, com seus subcomponentes e os diferentes fluxos e intercâmbios. Esse momento da metodologia, chamamos de finalidade e motivação. Essa parte é base para uma análise com enfoque nas determinações do metabolismo socioecológico. Com o mapa e o modelo sistêmico em mãos, partimos para o terceiro momento da metodologia. Essa parte tem como objetivo, aprofundar caracterização de subcomponente(s) do agroecossistema que indiquem tecnologias sociais nele consolidadas e/ou no metabolismo a ele associado. 

Esse primeiro mapeamento desenvolvido pelo método experimental. Nos possibilitou observar que, a ação de um coletivo de produtores sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico e de um acordo social,, permite uma modificação no produto gerado, passível de ser economicamente apropriada segundo a decisão do coletivo. O desenvolvimento de uma tecnologia social é um processo de concepção coletiva que reúne e coordena elementos heterogêneos – atores sociais (movidos por valores e interesses, ao mesmo tempo particulares e prenhes de alianças políticas) e recursos (de poder político, cognitivos, econômicos) com características e competências diferentes – e que tende a uma estabilização conjunta do “social” e do “técnico”, que conduz a arranjos híbridos, nos quais os elementos tecnológicos e sociais (sociotécnicos) estão indissociavelmente misturados. 


Eduardo Moreira dos Santos

Agricultor, membro do Grupo de Agroecologia Guandu. Estudante de graduação em Educação do Campo Ciências da Natureza pela Unipampa RS. Assentado e militante da Articulação Libertária.