Módulo 3 – Ciências da Natureza
O estudo de caso deve estruturar parte das atividades durante o módulo 3, subsidiando um conjunto de reflexões e debates acerca da integração entre escola e seu entorno.
No botão abaixo é possível acessar um estudo breve sobre o estudo de caso em aberto. Este texto tem o propósito de subsidiar a criação de um estudo de caso no âmbito do curso de formação continuada para professoras/es de escolas do campo, na região da Campanha Gaúcha.
Entendemos como aprendizagem mútua o esforço necessário entre diversos atores sociais para garantir que a escola adentre-se na rede de relações que sustenta e fortalece a agricultura familiar e camponesa.
O Assentamento Carlos Marighella é uma conquista com mais de 20 anos, fruto da luta pela terra. Fez parte das ações de mobilização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, e constituiu-se como um assentamento modelo não só no estado, mas no país. Estabeleceu áreas coletivas ao invés da clássica divisão em lotes e adotou a agroecologia como modo de produção. No entanto, a ausência de uma base de formação continuada, que pudesse apoiar o processo produtivo e as dinâmicas de relações humanas fez com que o imaginário liberal pautado na propriedade privada, na família mononuclear e na herança de bens fez com que boa parte destes princípios foram se perdendo ao longo do tempo.
O Guandu Grupo Agroecológico está localizado no Assentamento Carlos Marighella, na zona oeste de Santa Maria, próximo a área industrial do município. Segundo o coletivo, o Guandu é composto por indivíduos, trabalhadoras e trabalhadores da terra que buscam desenvolver de forma autônoma, autogestionária e anti-hegemônica espaços de formação, tecnologias e práticas agroecológicas fortalecendo a luta dos povos por vida digna.
Hoje o Assentamento conta com 12 a 15 famílias, divididas em lotes de 17 hectares cada, sendo que apenas 2 destes lotes preservam as características sociotécnicas alternativas do início do projeto de assentamento. Em linhas gerais, estes lotes estão voltados para a piscicultura e para o arrendamento, fato que difere do Grupo Guandú de Agroecologia que tem produzido uma diversidade de cultivos a partir de uma perspectiva coletivista.
O Guandu possui um histórico de mais de 20 anos de experiência em manejo agroecológico da terra por parte de alguns de seus indivíduos, sendo passado para as próximas gerações de sujeitos que não vieram do campo, mas buscam resgatar e manter vivos esses saberes.
O Grupo Guandú tem uma história que pode ser contada a partir de 2013, momento em que diversas pessoas ligadas às lutas sociais da região (movimento estudantil, luta por moradia, causas indígenas, etc.) se conhecem e organizam um espaço cultural no Carlos Marighella. Diversas atividades foram promovidas pelo espaço, tais como mutirões, debates, de tal forma que este acúmulo resultou na formação de um Grupo de Trabalho Terra e Comunidade, que veio a se tornar o Grupo Guandú, em 2017. Neste momento as pessoas parceiras já estavam morando no assentamento, efetivando a ideia de um espaço pedagógico em agroecologia inspirado pela educação popular e pela educação libertária.
Atualmente o grupo desenvolve suas atividades produtivas em um lote único, de 17 hectares. Destes, 5 são utilizados pelos cultivos e o restante corresponde aos espaços de conservação da mata. A paisagem original de Santa Maria corresponde a um ecótono, ou seja, uma área de transição entre os biomas Mata Atlântica e Pampa. Delimitando o lote manejado pelo coletivo encontra-se o Arroio Ferreira, que no passado colonial fazia a fronteira entre o domínio português e o espanhol.
As diferentes partes do lote são separadas por linhas de espécies arbóreas, que ajudam a reter terra e umidade. Entre estas árvores, encontram-se frutíferas, acácias e leucenas, manejadas a partir do princípio da agrofloresta. O coletivo realiza a produção no lote tendo em vista o auto-consumo, a comercialização e a adubação verde, garantindo a fertilidade da terra a partir de cultivos como o feijão guandú, planta que dá nome ao grupo.
A rotação de culturas nas diferentes partes do lote está baseada na conservação do solo, na qual culturas de inverno são cultivadas para evitar o uso de arado na terra que, quando é feito, conta com uma junta de bois e muita força de trabalho para essa tarefa. Entre as culturas de inverno estão a aveia, trigo e centeio, espécies de gramíneas que se se desenvolvem bem sem a necessidade de revirar a camada superficial do terra, onde encontra-se a matéria orgânica e boa parte da microbiota do solo, um dos indicadores de boa fertilidade.
Esta técnica do cultivo de inverno é uma dentre outras que evitam o desgaste da força de trabalho e que o grupo precise lançar mão do pacote tecnológico da Revolução Verde, baseado nos maquinários e implementos pesados, nos agrotóxicos e nas sementes geneticamente manipuladas. Isso significa que as tecnologias de base popular estão preocupadas com a manutenção da autonomia sobre o processo de trabalho, controlando o grau de dependência a partir da formação em agroecologia, da experiência dos agricultores e agricultoras e de um contínuo debate político sobre estas questões agrárias e agrícolas.
Dentre as práticas apontadas pelo grupo nos sistemas de intercâmbio e motivação está a produção e conservação das sementes crioulas. Para o grupo Guandu as sementes crioulas são essenciais para a autonomia e Soberania Alimentar dos povos do campo, sendo a primeira etapa da cadeia alimentar enquanto origem de praticamente todos os alimentos. Elas carregam a herança da sabedoria e dos conhecimentos ancestrais e guardam a riqueza natural da terra.
O coletivo preserva e cultiva sementes e mudas próprias de milhos, feijões, batatas, mandiocas, melancias, trigo, centeio, aveia preta, entre outras culturas. Outros meios de produção envolve resto de ferro da indústria local para forjarem seus próprios implementos e ferramentas agrícolas, como enxadas e enxadões, arado e facões. Compram foices para a colheita do trigo e, como mencionado, utilizam força animal para preparo da terra. Dependendo das necessidades de alguma área, compram adubo orgânico. Para aprimorar a fertilidade do solo, utilizam a técnica da cobertura com palhada e realizam com frequência a adubação verde. Também estão se apropriando de técnicas interessantes, como o preparo local de biofertilizantes.
A partir da agroecologia e da luta pela terra, o Guandu consegue articular relações com diversos grupos, tecendo assim uma teia de apoio mútuo e resistência. Dentro dessas relações estão os grupos de consumo consciente, os voluntários que auxiliam em mutirões, sindicatos, movimentos sociais, os grupos de agricultores e certificação orgânica.
Essas redes e intercâmbios do grupo são articulações necessárias para que a agricultura campesina sobreviva às intempéries do capitalismo no campo, fortalecendo os processos de aprendizado, a elaboração e desenvolvimento das práticas e tecnologias como teias alimentares, trocas de sementes, suportes político-jurídicos, sendo também estratégicas para a garantia e permanência desses grupos no campo.
O coletivo Guandu estabelece, assim, um sistema sociotécnico que tende à desarticulação do controle exercido pelo mercado monopolista, pela concentração dos meios de produção e pelo modo capitalista de apropriação da natureza. O grupo contribui com a produção de alimentos para a população local ao mesmo tempo que conserva a base ambiental que dá sustentação ecológica à agricultura e à vida.
Estamos falando de uma unidade de produção que atua em uma pequena área, que se viabiliza pela integração de atividades no processo de trabalho com uma diversidade produtiva escoada em circuitos curtos de comercialização, que se associa às necessidades nutricionais da população local e com a procura e valorização por alimentos seguros, que promovem saúde. Essa ação do grupo estabelece uma economia específica, que escapa da dependência por insumos patenteados e caros, preferindo trocas não monetizadas que fortalecem a economia solidária e popular com base em relações sociais de reciprocidade.
A relação com a terra extrapola a normativa da “agricultura familiar”, pois o grupo socializa o lote e abstém-se da lógica da propriedade privada. Tanto do ponto de vista ecológico quanto econômico, o Grupo Guandu tem configurado intercâmbios que superam a desigualdade típica que se observa na maioria das unidades produtivas. Os grupos de consumo, a articulação com movimentos urbanos para fornecimento de alimentos…
Compreender a finalidade do trabalho desenvolvido em cada componente do agroecossistema permitiu a identificação de intercâmbios ecológicos-econômicos para, a partir desta identificação, avaliar se estão correspondendo às necessidades sociais e ecológicas do agroecossistema. Nos termos de Toledo (2008), os intercâmbios devem se aproximar de uma certa equivalência, superando as limitações — opressivas — do controle capitalista sobre a produção que via de regra estabelece trocas desequilibradas. Esta etapa do método também permitiu identificar as redes de solidariedade que sustentam intercâmbios mais equivalentes e os conhecimentos agroecológicos praticados, assim como as tecnologias a eles adjacentes.