Maíra Taquiguthi Ribeiro *
Publicado em Articulação Xingu Araguaia

Há um ano, o dia do Meio Ambiente era comemorado com um gosto amargo. Acabara de ser promulgada a Lei 12.651/12, o novo Código Florestal, que veio substituir a Lei 4.771 de 1965. Após um longo e polêmico processo, que contou com grande mobilização popular para evitar retrocessos nos mecanismos de conservação ambiental, a bancada ruralista conseguiu aprovar a maioria de suas bandeiras, como maior flexibilização do tamanho das áreas de proteção permanente (APP) e a anistia dos desmatamentos ocorridos antes de julho de 2008.

Depois de aprovada pelo Congresso, a lei foi à sanção presidencial acompanhada do bordão “veta, Dilma” e a presidente, por fim, sancionou, no dia 25 de maio de 2012, a lei com nove vetos1. Entre eles, a retirada de itens que beneficiavam grandes produtores rurais, que diminuíam a proteção de rios intermitentes e várzeas e que permitiam a recomposição com espécies exóticas frutíferas.

Mesmo com os vetos, estima-se que a nova lei permitiu uma diminuição de 15% a 40% das áreas de conservação obrigatória, segundo análise da organização The Nature Conservancy (TNC). Além disso, calcula-se que a lei anistiou um passivo ambiental de cerca de 40 milhões de hectares desmatados ilegalmente antes de julho de 2008.

Se há pouco mais de um ano a mobilização em torno da legislação ambiental era grande, este ano podemos dizer que o gosto é de ressaca. Além de diminuir as áreas de conservação, a nova lei mal saiu do papel. Somente no dia 29 de maio de 2013, no prazo máximo estabelecido, foi anunciado o decreto que regulamenta como serão implantados os itens previstos na nova legislação. E antes mesmo de sua publicação, a bancada ruralista já armava as críticas ao decreto.

Principais pontos a serem implantados
Uma questão importante do novo Código é a criação de mecanismos de cadastro, controle e planejamento dos imóveis rurais, que permite uma fiscalização mais rígida. O Programa de Regularização Ambiental (PRA) deve ser promulgado pelos estados e dará as bases para que os produtores recuperem as áreas degradadas em suas propriedades.

Além disso, torna-se obrigatório o Cadastro Ambiental Rural (CAR) de todo imóvel rural. Esse cadastro será online e contará com o georreferenciamento dos imóveis com informações sobre as diferentes ocupações do solo. E também o recente decreto de regulamentação acrescenta mais dois itens no processo de regularização ambiental: o Plano de Recuperação de Área Alterada ou Degradada (Prada) e Comprovante de Regularidade Ambiental (Cram). Até o momento, fora experiências e pilotos, nada foi implantado, até porque não havia regulamentação. O governo promete colocar em funcionamento neste mês o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), que permitirá o início dos cadastros.

Apesar de ser o ponto essencial do novo Código, trata-se também do principal nó da lei. A nova lei prevê o cadastro e acompanhamento da recuperação ambiental de mais de 5 milhões de propriedades rurais existentes no Brasil. Uma tarefa enorme e árdua que está a cargo de órgãos ambientais estaduais e municipais. Mas em muitas regiões não há capacidade e infraestrutura para que esses órgãos realizem ações destas proporções. Além disso, para quem conhece um pouco da situação fundiária brasileira, é previsível que haverá inconscistência nos cadastros rurais, com sobreposição de lotes por um lado e “espaços vazios” ocupados ilegalmente por outro.

De olho no cumprimento da nova lei
O aniversário arejou um pouco a poeira que já repousava sobre a nova lei. Recentemente, o Ministério do Meio Ambiente instalou um grupo para acompanhar as ações acerca do novo código e avaliar sugestões e propostas de regulamentação da legislação. Participam do grupo representantes dos ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Associação Brasileira de Entidades do Meio Ambiente (Abema), da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anama) e de representações civis como a CNA, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar, Via Campesina, Amigos da Terra e The Nature Conservancy Brasil.

Paralelamente, frente à morosidade em colocar a lei em prática, sete organizações da sociedade civil – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), SOS Mata Atlântica, Instituto Centro de Vida (ICV), The Nature Conservancy Brasil (TNC), Conservação Internacional (CI), Instituto Socioambiental (ISA) e WWF/Brasil – criaram o observatório do Código Florestal para monitorar a regulamentação e a implantação da nova lei. O observatório pretende gerar dados e análises para promover o controle social, aumentar a transparência e qualificar o debate para tirar do papel a nova legislação. Além dos pontos acima discutidos, estas instituições apontam que o governo ainda não definiu os mecanismos de incentivo econômico previsto na nova lei à conservação e à restauração florestal.

Na última terça-feira (4/6), houve audiência pública na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado para avaliar o primeiro ano da lei. Durante a audiência, o senador Luiz Henrique (PMDB-SC) considerou que houve um ano de paz no campo.

Essa análsie retrata o pouco interesse em colocar a lei em prática, já que as punições por desmatamentos ilegais foram suspensas imediatamente após a promulgação da lei e nada será feito enquanto não forem firmados os Programas de Regularização Ambiental.

O novo Código Florestal foi uma coroação no visível fortalecimento que a bancada ruralista vinha e vem assumindo no Brasil. E o fortalecimento vem acompanhado do pouco espaço ocupado pelos movimentos sociais, cujas lutas têm se adequado mais a segurar as ofensivas da bancada ruralista do que realmente a seguir uma agenda própria de lutas. Seja por reforma agrária, agricultura sustentável ou justiça socioambiental.

Dessa forma, se a legislação ambiental era o principal alvo da bancada ruralista até um ano atrás, após a aprovação do novo Código Florestal, os ataques se voltaram visivelmente contra os povos indígenas e a legitimidade dos seus territórios. Não podemos esquecer que a bancada ruralista só se debruçou sobre a questão ambiental depois de intenso processo de criminalização dos movimentos sociais do campo. Dentro dessa conjuntura, o que minimamente se pode tentar é que este novo Código Florestal seja cumprido.

1 – Junto com o novo Código, foi editada a Medida Provisória (MP) 571/2012 a fim de preencher as lacunas dos vetos. A MP foi modificada pelo Projeto de Lei de Conversão 21/2012, que por sua vez foi novamente sancionado com vetos da presidente na forma da Lei 12.727/2012, publicada juntamente ao Decreto 7.830/2012 para cobrir os pontos vetados.

*A Maíra, companheira de agroecologia desde os tempos de biologia na Unicamp, é técnica da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Mato Grosso, na cidade de Xavantina.


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