Fuçando pela internet encontrei o blog da Marcha das Margaridas organizado pel@s Jornalistas Livres. A organização visual e as fotografias em si me impressionaram, de tal maneira, que resolvi trazer algumas delas pra cá. Mas não só. Resolvi que alteraria, depois de 2 anos, a imagem de cabeçalho que acompanha o Terra de Sentidos desde que o blog foi organizado.

A foto original de onde saiu o antigo cabeçalho foi tirada no Assentamento de Sumaré III, na casa da Maria Renovato e do Zé (última foto da sequência abaixo). Uma de suas filhas segurava o catavento enquanto proseávamos na cozinha — a imagem do cabeçalho antigo já representava, portanto, a força das Margaridas Alves que o campo sempre semeia, em permanente luta pela terra. Percebam que essa foto, da qual derivou o cabeçalho parte preto e branco parte colorido, recebeu um tratamento de cores. Talvez quisesse ressaltar o brilho da mão negra, com o cenário cor-de-terra desfocado ao fundo, não me lembro agora. Mas teve esse lance da cor. O brilho da mão que suporta uma “coloridade”, tão metafórica pras diversidades que o campo emana.

cata_mano_antigo_cab.jpg

Uma das fotos da Marcha que escolhi para estar aqui neste post (e também nos cabeçalhos) me impressionou nesse sentido: encontrar um registro na capital federal que permitisse, finalmente, enxergar as cores e as gentes que nunca transparecem nas representações e discursos “oficiais”:

Há um misto de caboclagem e negritude nessa imagem que expressa a contradição entre povo brasileiro e sua representação midiática. A baixa representatividade destes grupos sociais perpassa igualmente pelos espaços políticos nas esferas do poder, pelas instituições de ensino e pelos circuitos sociais nas metrópoles do país. A força simbólica da imagem se amplia pela presença feminina retratada e pelo seu contexto. São mulheres negras, índias e mestiças, pobres e lutadoras que ocupam o solo capital com suas peles e bandeiras, presença e desejos portadores daquela estranha mania de ter fé na vida.

Vida, terra e mulher. Substantivos femininos que desde as atividades nos Assentamentos de Sumaré, de 2002 até 2010, ensinam-me do que é feita a Agroecologia.

Hoje, setembro de 2018, encerro minha tese de doutorado com a mesma certeza. Ainda é preciso muito espaço social a ser conquistado pela força feminina, agroecológica, transformadora das paisagens que vivemos. Estou devendo essa publicação há pelo menos dois anos. Inicialmente pretendia dialogar com estas imagens a partir de uma base teórica vinculada com o estudo das imagens, mas meu caminho de pesquisa não aprofundou essa base. Tive contato com alguma leitura, pós-estruturalista, de estudiosos da imagem, como Deleuze ou Rancière. O que pude apreender ou absolver destas leituras é a capacidade que as imagens tem em gerar uma “comunidade”, em partilhar um conjunto de sentidos (políticos) que relacionam-se com sociedade, cultura e educação.

Parte de minha trajetória acadêmica foi explorar materiais audiovisuais como ferramenta pedagógica, na produção de conhecimento relacionado com a Educação do Campo e a Agroecologia. Apesar do curso da vida levar-me para compreender melhor a relação entre estas áreas e a educação formal, sigo crendo que os audiovisuais são fundamentais na prática escolar. Sendo as imagens mídias prenhes de memória e sentido o desenvolvimento de uma epistemologia popular, perseguida pela EdoC e Agroecologia, não pode deixá-las de fora.

Não deixar de fora significa consumir imagem na escola mas, fundamentalmente, produzi-la. Nessa relação dialética entre leitura e escrita (texto, imagem, vídeo) estaria o tensionamento que forma a identidade do indivíduo e da sociedade. A consciência sobre esse processo e a metodologia deste esforço, em síntese, é o que exercitamos através do Processo Crioulo de Produção Simbólica, ao longo da Residência Agrária no Assentamento Milton Santos e na Cooperacra, organizações camponeses de Americana-SP.

Produzir e assistir conteúdos imagéticos nos faz ressentir quem somos, em especial aqueles que criam novos arranjos entre significados e sentidos para as coisas da realidade cotidiana — intuito do processo crioulo. Essa capacidade está diretamente relacionada, portanto, à reconstrução cultural inerente a vida social, responsável pela simbolização que transfigura os desejos e as utopias, pela efetuação do pensamento.

Comunicação, Educação e Produção de Sentidos pela Linguagem Audiovisual: Experiências em grupos de Agricultura Camponesa

Depois de um Trabalho de Conclusão de Curso e de um Doutorado, depois de escrever e refletir desde a academia sobre as experiências concretas junto com camponesas e camponeses, penso que o desafio social é ampliar essa efetuação do pensamento desde ações sociais coletivas, comunitárias, na construção política e estética de uma dinâmica ser humano e natureza popular, radicalmente democrática. Só faremos isso se abandonarmos a histórica negação do que somos, se nos liderarem as Margaridas, sábias e belas.


1 comentário

às Margaridas do planalto - Sementeia · 11 de setembro de 2018 às 15:21

[…] De Terra de Sentidos […]

Os comentários estão fechados.